5 de outubro de 2009

A velha casa da Rua General

Ivone Maria R Garcia
Dedicado em memória de meus avós Eduardo J. Rocha e Maru (Maria José F. Rocha), de meu pai Ramon Aureo, de minha querida amiga Rida Pizani e também especialmente dedicado à nossa amiga Daidy Peterlevitz
Três horas da tarde de um dia qualquer do período de férias escolares do final da década de 70. Ao cabo de cinco horas de viagem de trem passadas a observar pequenas cidades e estaçõezinhas,a ouvir o pregão dos ferroviários “pastéis, sanduíche, chocolate, bala” eu e minha mãe Yvonne finalmente chegamos a nosso destino: São Carlos! Em pleno garbo de seus quarenta e poucos anos mamãe acaba por chamar a atenção dos passantes por sua natural elegância ao vestir-se, caminhar e falar. Logo, logo avistamos um rosto conhecido e muito querido: meu avô Eduardo está na estação a nos esperar! Prontamente ele nos vê, nos abraça ternamente e nos auxilia a desembarcar. Com um leve aceno contrata os serviços do carregador, e assim vamos todos andando lentamente pela antiga estação de ferro sãocarlense, que nos idos de 2006 completou seu centenário. Como esquecer dos azulejos portugueses estrategicamente dispostos a decorar as paredes, e do fantástico relógio com algarismos romanos de maquinismo perfeito a informar corretamente o horário aos passageiros?
Estamos agora sentados confortavelmente em um táxi e mamãe polidamente indica o itinerário ao motorista: “Rua General Osório, 483 em frente ao Hotel Marques”.
Chegamos, enfim. Vovô pacientemente chaveia a porta e um mundo encantado rapidamente se descortina ante os meus olhos! De sida a escada de uma linda madeira ricamente decorada por um tapete verde! As paredes do vestíbulo ganham vida graças as geniais pinceladas de um artista veneziano que criou com rara perfeição uma belíssima paisagem onde cães da raça São Bernardo estão formosamente guardando um jardim com ares afrancesados!
Subimos as escadas calmamente. Mamãe abre a enorme porta belga adornada com os lindíssimos vidros “bizotê” e assim adentramos à magnífica sala de jantar! Diante daquela visão maravilhosa fico meio que hipnotizada olhando a enorme mesa rodeada por várias cadeiras, os três “ étagères” elegantemente guarnecidos, e ao fundo o airoso sofá de palhinha; tudo isto iluminado pela claridade difusa de uma claraboia!
Em pé nos aguardando está minha avó Maru, a qual nos cumprimenta com um abraço carinhoso. Após alguma conversa dirigimo-nos todos à copa onde podemos saborear um delicioso pão -de-ló de laranja sobejamente preparado por minha avó; receita esta que executo com perfeição desde os meus sete anos de idade...
Após tomarmos a deliciosa refeição rumamos ao quarto de hóspedes! De plano a imponente cama de casal se faz presente , talhada que fora magistralmente pelas hábeis mãos de um marceneiro inglês. Tão bonito móvel entretanto não resistiu às traquinagens de um certo anjinho loiro de olhos verdes... Mamãe deveria ter à época dos fatos quatro anos de idade quando decidiu mudar a decoração do portentoso leito, substituindo o adorno da parte traseira ao introduzir no orifício correspondente uma bola de gude azul... Até hoje a bolinha lá está incorporada definitivamente à garbosa cama...
Os ambientes, dos quais eu mais gostava na antiga casa de meus avós maternos eram sem sombra de dúvida a sala de visitas, a escadaria que levava ao banheiro, e o terraço. Como esquecer das tardes em que meu pai e meu avô conversavam horas a fio sentados lá fora? Até hoje ecoam em minha memória o repicar dos sinos da Catedral e os apitos dos trens...
Na acústica de minha mente ainda ressoam as palavras de minha mãe que olhando-me da janela da cozinha que dava para o terraço assim dizia: _ “Ivoninha, saia do sol! Você não está acostumada, é muito clarinha”
Ou então: _”Ivoninha, saia da boca do vento!”
Eu obedecia aos pedidos de mamãe entrava na cozinha onde vislumbrava as duas mulheres travando uma luta inglória com fogãozinho vermelho, o qual teimava em desobedecê-las apagando a todo momento a chama... Os outros fogões, o de lenha e o elétrico malgrado estivessem ainda na cozinha já estavam aposentados pela evolução tecnológica....
Depois do almoço mamãe e minha avó iam lavar a louça, pois a empregada estava a cuidar de outros afazeres , e eu às vezes pedia à minha avó: _ “ Vó, faz bom-bocado?”
E ela então atendia para minha felicidade à minha solicitação...
Como poderia olvidar da sala de visitas? Diferentemente da sala de jantar iluminada indiretamente pela claraboia, esta sala contava com quatro janelas: duas abertas para Rua General e duas para Rua Aquidaban. Meu avô Eduardo serenamente colocava várias almofadas umas sobre as outras em uma cadeira e me punha ajoelhada sobre elas. Desta forma poderia eu, ficar olhando o movimento da rua amparada por suas fortes mãos! E os afrescos de vasos de flores magicamente delineados pelo talento ímpar do mesmo artífice italiano? Nunca cheguei a ver outra pintura com a mesma exuberância e delicadeza! Nesta saleta minha avó recebia suas primas Odila e Noêmia, esta última senhora muito bem humorada que gostava de imitar os interioranos da novela “ Cabocla”(1979) despedindo-se deste jeito: “Inté”... Neste mesmo local por tantas vezes minha avó recebeu minha querida Rida Pizani,(“in memoriam”) a qual ia abrilhantar aquela casa com sua inteligência, meiguice e simpatia! Tantas foram as ocasiões em que ela me trazia deliciosos pãezinhos de maçã preparados com tanta amizade e carinho! Que Deus a tenha, minha querida e inesquecível Rida... Quando descíamos a escadaria que nos levava ao banheiro,um lindo quadro se defrontava perante os meus olhos! As paredes mais uma vez adquiriam uma aparência paradisíaca com aqueles pássaros pintados pelo mesmo italiano que parecia fazê-los voar com a intensidade de seu gênio criativo! Casais de diversos passarinhos se encontravam levando em seus biquinhos ramos para fazerem seus ninhos...
Instantes de raro êxtase eram aqueles quando meu pai vinha de São Paulo, aos finais de semana! Eu parecia adivinhar a chegada dele, caminhava rapidamente pela casa, descia quase correndo a escadinha da entrada... Meu avô Eduardo abria a porta, eu abraçava meu pai e já ia pondo-o a par dos acontecimentos: _ “ Pai, você sabe que eu aprendi a ler as horas naquele relógio”? Com a cabeça indicava o relógio de parede da sala de jantar. Ele, incrédulo com a proeza de uma fedelha de quatro anos incompletos perguntava à minha avó:
_ “ Dona Maru, a Ivoninha aprendeu a ver as horas”?
De seu turno vovó respondia:
_ “ Sim, Ramon. Sua filha é muito viva e inteligente...”
Alegres eram também os dias em que meus primos mais velhos, Paulo Júlio (Ju), Paulo Emílio (Mi), Martha Isabel (Bel), Lea Christina, Hanna Paula, todos eles filhos de meus tios Lea e Paul (ambos já de saudosa memória) vinham nos visitar. Bel,minha prima singularmente bela detentora de sedutores olhos azuis gostava de pentear meus cabelos castanho claros , lisos e curtinhos, enfeitando-os com uma presilha. Depois levava-me, ao quarto de meus avós, onde eu fascinada me olhava na penteadeira cujo espelho possuía três faces... Era a mulher vaidosa já se manifestando na criança menina...
O tempo passou, meus avós e meu pai já estão conversando nas falenas celestiais. A casa de meus avós não nos pertence mais, vendida que fora em 1997 ao Sr.Edson Demarqui e sua mulher Silvana, os quais instalaram sua loja de tintas nas instalações da antiga Casa de Couros de meu avô, a qual ficava ao lado da mítica residência...
Minha mãe e eu vivemos uma vida modesta em nosso apartamento simples de São Paulo, que em nada lembra o fausto da antiga casa da General. Pouca coisa restou daquele tempo, mas as saudades ainda alimentam minha vida e também meu coração...

3 comentários:

Ivoninha disse...

Oi Daidy: Muito obrigada por ter postado minha crônica, a qual fi elaborada em atendimento a um pedido seu... Esclarecendo a todos: sou uma moça de hábitos simples, que pouco importa com os valores materiais... Desta casa o que mais sinto saudade além é claro de seus proprietários antigos, são das pinturas magistrais daquele genial artista veneziano... Bjs a todos. Ivone

Agnaldo Vergara disse...

Ivone as suas histórias de infância me fazem lembrar da minha que também foi vivida no largo da igreja de São Benedito, da rua General Osório, da estação da Fepasa, da antiga Serraria Giongo. Eu literalmente volto ao passado.
Obrigado! Beijos, Agnaldo.

Daidy Peterlevitz disse...

E vocês dois, meus queridos Agnaldo e Ivone, aposto que, somando as idades, ficam bem longe da minha!!
Eu ganho de vocês dois!
Mas amo ter os dois como sinceros amigos!
Lembram-se daquela musiquinha linda?...
"Amigos para siempre é o que nós iremos ser...na Primavera ou em qualquer outra estação...nas horas tristes ou em momentos de prazer...
AMIGOS PARA SIEMPRE!!
Meu abraço a ambos, Daidy.

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Quem sou eu

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São Carlos, São Paulo, Brazil
Daidy Peterlevitz é aposentada, com qualificação para lecionar desde a pré-escola ao Colegial (Matemática e Física).Tem trabalhos publicados na Antologia “A Pena e a Lua”, da APEBS - Associação dos poetas e escritores da Baixada Santista.É autora dos livros As Duas Faces da Mesma Moeda e Quatro Bruxas no Elevador, lançado na Bienal do Livro, em S.Paulo. É autora do projeto DEMBLI, que facilita a circulação de livros, em escolas sem bibliotecárias. Trabalha em seu projeto no qual afirma que o bebê pode e deve aprender a ler. Também fez parte do antigo "SEROP" que funcionava no G.E Oswaldo Cruz, em São Paulo, sob a direção do sr.Jocelyn Pontes Gestal. Era orientadora de Ciências. O grupo, estudava a filosofia e a pedagogia de mestres, preparava apostilas, ia à inúmeras escolas, em S.Paulo e arredores, levando orientação diretamente aos professores ou,se distante como Sta. Izabel, aos diretores, que as passavam aos professores. Atualmente, escreve para seis jornais e, a todos agradece pelo espaço cedido.

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