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Era uma vez um TCC
Michel Lacombe
O mundo anda tomado de siglas e nem é preciso ser um apreciador da língua para perceber. Dos partidos aos políticos, das doenças às entidades (filantrópicas ou não), tudo tem a tendência reducionista. Parece que tudo que se fala no mundo é igual à redação de um jornal impresso no qual é preciso ter criatividade para cumprir um de seus primeiros mandamentos, que é, justamente, o "fazer caber". É a DST, é o HPV, é a TPM e, para muitos universitários em fim de curso, é o TCC ou outra sigla equivalente.
Analogamente, o TCC, abreviatura para Trabalho de Conclusão de Curso, é como a teoria do Big Bang. No começo, não havia nada - além de bares, festas, provas, desculpas para conseguir uns dias a mais para entregar o trabalho e, claro, mais festas. Depois de uma explosão, milhões de ideias entram em contato umas com as outras, causando reações internas e externas, pouco conexas entre si, impossíveis de serem descritas de tão particulares que são, criando imagens que se solidificam ou desaparecem de tão miragens que são.
O resultado desse Big Bang reduz enormes pretensões em poeira de estrelas. "O que há em uma estrela? Nós mesmos / Todos os elementos do nosso corpo e do planeta / estiveram nas entranhas de uma estrela / Somos poeira de estrelas", escreveu o nicaraguense Ernesto Cardenal em um dos poemas de seu livro Cántico Cósmico, cujo trecho foi traduzido livremente do espanhol por este escriba. E é justamente desse pó que surge o fio condutor do TCC. A fagulha que lhe parecerá mais atraente será o cimento da construção de um projeto.
Alguns professores argumentam que o TCC será o cartão de visitas para o que virá no próximo capítulo. No caso do jornalista, com o diploma debaixo dos braços, a tentativa de virar foca, tal qual uma metamorfose semelhante à da lagarta que se transforma em borboleta. É inevitável, porém, pensar nesse trabalho como a bússola para sua carreira. Para quem segue essa corrente, lamentamos informar que nada disso acontecerá. Aquele trabalho de um ano inteiro será, no máximo, uma carta de apresentação. O resto é com você.
"Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa", disse Riobaldo ao seu interlocutor em “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. Com o estudante de jornalismo (ou qualquer outro), não deveria ser diferente. Da poeira de estrelas surgirá algo. Resta adequar a sua realidade. E, além do mais, há muitas histórias que não foram contadas.
Eis o meu caso. Há dois anos tinha a ideia fixa de qual assunto queria trabalhar em meu TCC. O ponto de partida foi a leitura de "A mulher do próximo", de Gay Talese. Em linhas gerais, o livro traça um panorama da revolução sexual norte-americana, abordando pontos delicados, como, por exemplo, a construção do mito de Hugh Hefner, os relatórios de Kinsley e a troca de casais.
Como não poderia fazer em um ano um trabalho que Talese demorou algo em torno de 20 para finalizar, resolvi me fixar em um ponto específico. O escolhido foi a prática do swing, a troca de casais, justamente por ser um assunto que, na minha concepção, não é abordado como deveria, sendo tratado como algo pouco comum, o que é errôneo. O problema é que o ser humano ainda não está preparado para falar de sua sexualidade.
Resolvi adequar o projeto à minha realidade, ou seja, apresentar como esse mundo paralelo se desenvolve dentro do pequeno universo chamado São Carlos, cidade onde vivo no interior de São Paulo.
Desde então comecei a imaginar como conseguir material suficiente para escrever um livro-reportagem. No ano em que deveria ganhar corpo, o TCC transformou-se em um ser anômalo, que não conseguia sustentar-se apenas pela vontade da realização. Era preciso ter a colaboração dos swingers, os praticantes do swing. Havia o fato, era comprovado. Faltavam, porém, as fontes para falar sobre.
Antes do trabalho de campo, uma saraivada de piadas e pessoas perguntando se eu iria participar da troca de casais, se iria filmar as relações ou, dos mais oferecidos, se iria precisar de um fotógrafo. Para todas as questões o "não" era a resposta. O importante para o jornalista é apresentar um fato e não se filiar a ele. Creio que o mais desafiador para o profissional é buscar histórias que não estejam em seu cotidiano. Falar sobre o que lhe é conhecido é fácil; difícil é lidar com um assunto que não faz parte da pauta tradicional. Quer algo mais desafiador do que isso?
Comecei os trabalhos buscando uma forma de contar como aconteciam os casos de swing em São Carlos. A estratégia narrativa se constituía em duas partes: a primeira, mostrando alguns elementos para criar um panorama do assunto; a segunda ficaria restrita a entrevistas com casais que quisessem colaborar, com a ressalva de que suas identidades jamais seriam reveladas.
A primeira parte do trabalho de entrevistas foi concretizada até com certa facilidade. Duas psicólogas se disponibilizaram a falar sobre características gerais da sexualidade na cidade e relatar superficialmente – a ética profissional não permite que as histórias sejam contadas com mais profundidade sem o conhecimento e autorização dos atendidos – casos que foram parar na terapia. Além delas, dois donos de sex shops também concordaram em dar entrevistas sobre o assunto.
O material coletado e já selecionado deu origem a um pequeno arquivo com pouco mais de vinte páginas. A primeira parte estava a caminho. Faltava, contudo, a segunda parte, a mais difícil. Para procurar os casais, todas as ferramentas foram importantes, sobretudo as virtuais. Através de portais e redes sociais, consegui entrar em contato, em menos de um mês, com mais de 30 casais.
Um casal se manifestou logo nos primeiros contatos dizendo que não se importaria em dizer como era o modo de vida deles. Dois meses depois, porém, não houve retorno ao segundo e-mail, já com uma série de perguntas. Outro casal tinha se disposto a colaborar um tanto antes da efetiva busca. Uma mudança total de vida, com o abandono da troca de casais, e de cidade, praticamente um recomeço, fez com que a resposta fosse negativa.
Para muitos trabalhos, o material coletado já seria suficiente. Não para um TCC. Por isso, o ser anômalo não se manteve. A grande lição sobre o que (não) se deve fazer em um trabalho de conclusão de curso é levar em conta a imprevisibilidade dos fatos. Há tantos outros assuntos de igual ou maior importância para serem abordados... Um TCC será apenas mais um trabalho entre tantos que o profissional fará. A grande diferença é que este, por proporcionar um pouco mais de tempo para a elaboração, poderá ser mais bem lapidado. Mas lá na frente, quando o estudante sair do estágio de foca, ele já terá grandes habilidades como ourives...
Historietas de fantasmas - O desafio
Há 11 anos
Um comentário:
Olá, querido amigo Michel Lacome!
Sou a sempre xereta Daidy.
Sabe, meu querido o tempo nada significa e nem quem chega antes! Há obras maravilhosas, inacabadas, que venceram os séculos e continuam muito vivas!
Não se preocupe, por favor, com o "ourives", que trabalha num fechado!
Seja aquele "garimpeiro" de sempre que, a passos largos,larga no caminho as pegadas da honra, da honestidade, da ética!
Meu abraço, Daidy.
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