25 de fevereiro de 2010

" UM CERTO BAILE"

Pouco restara na pequena cidade em consequência da fúria ditatorial reinante por ocasião da eclosão da chamada " Revolução do Proletariado".
Propriedades confiscadas, famílias expulsas dos seus lares, francos e suspeitos dissidentes assassinados, mulheres tenebrosamente violentadas!
Diferentemente de seus familiares Sergio sobrevivera ao morticínio estatal, mantendo-se à míngua de parcos recursos percebidos das aulas de piano que ministrava à nova elite soviética.
Em uma enluarada noite de abril recebera o convite para o baile, e mesmo sabedor que no recinto estariam perfilados inúmeros "secretas" ostentando grotescos papéis de gentis homens, resolvera arriscar-se e participar do evento festivo.
Natascha exibia um figurino pouco afeito aos ideais revolucionários, trajando um rico vestido adornado por uma estola de pele, joias fulgurantes e uma maquiagem sedutora. Os longos e loiros cabelos refulgiam hipnotizantes encantadoramente enfeitados por uma tiara de brilhantes, que só encontrava paralelo nos ricos brincos de safira!
Resoluta a moça dirigiu-se ao pianista e o violáceo de seus grandes olhos lançou ao mancebo uma flamejante e hipnotizadora mensagem!
Passados alguns instantes o casal bailava no exuberante salão deslizando no assoalho como anjos a flanar no céu...
Como um autômato, destituído de qualquer resquício de voluntariedade Sergio seguia Natascha pelas gélidas ruas do vilarejo russo. Decorrida meia hora o casal então divisa uma sóbria vivenda, majestosamente guarnecida por um suntuoso e artístico mobiliário.
Aos frementes beijos o enamorado par se entrega mutuamente em um só hausto de luxúria!Aplacada a fome sensorial Sergio adormece e começa a vislumbrar os mistérios de um mundo onírico e sensual...
Natascha está postada defronte a ele, a camisola revela os segredos do túrgido e primaveril corpo... A cada carícia a moça pede: _ Fuja comigo, vamos viver juntos para sempre fora desta cidade!
Ao que Sergio retruca: _ Não posso abandonar minha mãe, ela vive dos meus rendimentos...
À medida que licenciosamente Natascha vai se despindo Sergio nota sinais mórbidos e estranhos... Um profundo corte na altura do coração, um talho na região abdominal, cicatrizes profundas indicativas de queimaduras na virilha!


Começam a lutar, Sergio grita pois não deseja acompanhar a moça em seus vis propósitos!
A algazarra acaba por acordar um rapazola que veste uma farda do Exército Socialista, o qual abruptamente abre a porta da alcova.
Atônito ele se depara com o pianista seminu que assevera ter passado uma noite com uma bela e misteriosa mulher de nome Natascha.
Surpreso, o jovem cadete afirma não ser tal ação possível, pois sua irmã, moça de vários leitos acabara morta a golpes de punhal em razão de ter traído a confiança de um de seus abonados amantes...


Ele,aspirante a Oficial e seu pai viviam nesta casa desapropiada pelo Estado à custa de servirem o poder delatando, espionando,enviando inúmeras pessoas a campos de trabalhos forçados e à internações em estabelecimentos psiquiátricos.
A mão já percorria o coldre, quando voluntariamente Wladimir desiste de seu intento. Decidira dar uma chance ao pianista que exitosamente escapara da ação homicida do espírito cruel de sua perdida irmã...
Disse então a ele:
_ " Desta vez você escapou... Mas, a morte rondará para sempre e em todos os recantos a fim de levar com ela todos aqueles que se ousarem a se opor à nova ordem constituída e assim tentarem trair o regime Socialista!


* Nota da Recantista: Dedico este meu texto ao meu primo Alexandre F. Naumoff e a seu pai meu tio avô Alexandre Naumoff (de saudosa memória) os quais encontraram nas terras brasileiras o remanso para suas vidas; a memória de meu tio avô Nelson de Mattos Ferraz o qual morreu em virtude de ter se oposto à ditadura de Vargas (foi capitão de milícia na Revolução Constitucionalista de 1932), e a todos que foram supliciados por ordens totalitárias quer sejam elas de direita ou esquerda.

Ivone Maria R Garcia


Publicado no Recanto das Letras em 19/02/2010


Código do texto: T2096584





Um comentário:

Ivoninha disse...

Oi Daidy! Muito obrigada por ter postado este meu conto... Estas atrocidades jamais podem ser esquecidas! Valha-me Deus contra qualquer espécie de regime totalitário quer seja de direita ou de esquerda... Bjs Ivoninha

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Quem sou eu

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São Carlos, São Paulo, Brazil
Daidy Peterlevitz é aposentada, com qualificação para lecionar desde a pré-escola ao Colegial (Matemática e Física).Tem trabalhos publicados na Antologia “A Pena e a Lua”, da APEBS - Associação dos poetas e escritores da Baixada Santista.É autora dos livros As Duas Faces da Mesma Moeda e Quatro Bruxas no Elevador, lançado na Bienal do Livro, em S.Paulo. É autora do projeto DEMBLI, que facilita a circulação de livros, em escolas sem bibliotecárias. Trabalha em seu projeto no qual afirma que o bebê pode e deve aprender a ler. Também fez parte do antigo "SEROP" que funcionava no G.E Oswaldo Cruz, em São Paulo, sob a direção do sr.Jocelyn Pontes Gestal. Era orientadora de Ciências. O grupo, estudava a filosofia e a pedagogia de mestres, preparava apostilas, ia à inúmeras escolas, em S.Paulo e arredores, levando orientação diretamente aos professores ou,se distante como Sta. Izabel, aos diretores, que as passavam aos professores. Atualmente, escreve para seis jornais e, a todos agradece pelo espaço cedido.

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