30 de janeiro de 2010

Como assim, “todos pela educação”?

Wilson Correia*

Desconfio que o dito “todos pela educação” seja algo que “chove no molhado” e não expressa bem aquilo de que precisaríamos para formarmos uma nação brasileira cidadã. Ora, nem bem saímos da perigosa fala “educação é tudo” e já nos vemos no roldão que responsabiliza os brasileiros pela escolarização, quando sabemos que oferecer condições de acesso e permanência nas instituições da educação formal é de responsabilidade do Estado e da sociedade, e não dos indivíduos isoladamente considerados.


Pois bem! Enquanto a frase midiática predileta era “educação é tudo”, alguns educadores de bom senso fizeram um esforço considerável para evidenciar o entendimento de que, se não houver justiça econômica, democracia política e ampla vivência cultural, a educação escolar pouco pode fazer por nosso país. De fato, se não tivermos um projeto de nação para o Brasil, um projeto que implique a inserção dos brasileiros nos processos de produção e apropriação de bens materiais, sociais e simbólicos, o que a educação formal poderá fazer por nós?


Note: a ideia de justiça econômica, democracia política e vivência cultural deve se aliar à tese de que o que nos desafia é a criação de condições dignas de vida e que façam jus ao conceito de cidadania. O termo “condições” é diferente da palavra “oportunidades”. Ele se refere a algo que tem a ver com a tríade de bens “materiais” (comida, bebida, remédio...), “sociais” (a pessoa tratada como portadora de poder) e “culturais” (escola, práticas culturais diversas, cinema, teatro...) como bens que constituem a base concreta para a vivência da cidadania.


Para além do pertencimento à cidade (“polis”, para os gregos; “civita”, para os romanos) e mais que a noção de “direitos e deveres”, a visão inovadora sobre a cidadania é a que alcança a concretude de cada pessoa, social e existencialmente situada, considerada como aquela de quem é esperado o protagonismo de sujeito social na vida particular, profissional e coletiva. É o chamamento à autoria da própria história, coletivamente inserida e socialmente significada, e, como tal, levada a cabo. A isso, sim, poderíamos chamar cidadania.


Nessa perspectiva, como foi feito com a ideia de que “educação é tudo”, novamente temos de somar esforços para mostrar que o dito “todos pela educação” não faz justiça aos brasileiros. Não faz justiça por quê? Porque, desde sempre, no Brasil, a sociedade, sobretudo a parte mais empobrecida dela, sempre pagou altas taxas e caros impostos, numa transferência ininterrupta de riqueza ao Estado, justamente para que esse ente honre o dever de garantir a educação escolar para todos. O povo tem produzido, mas não tem se apropriado. Essa é a verdade.


Tímidos avanços verificados na apropriação de bens materiais pela população brasileira nos últimos anos não tem se repetido no âmbito social e cultural. Então, desde sempre, todos os brasileiros (os pobres mais, economicamente falando) já estão trabalhando pela educação. Apenas o Estado é que tem dado mostras de não ser todo ele para a educação e isso pode ser conferido mediante a constatação da baixíssima transferência de recursos para o setor da educação escolar. Uma pena, pois, nesta frase falaciosa “todos pela educação”, uma vez mais o brasileiro é individualmente responsabilizado pela situação preocupante em que se encontra a educação formal em nosso país. Nessa perspectiva, o Estado não está precisando de um chacoalhão? Se sim, toma que tenhamos a coragem de faze-lo!


*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e professor de Filosofia da Educação na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, CFP Amargosa. É autor, entre outros, de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.
Wilson Correia Publicado no Recanto das Letras em 24/01/2010 Código do texto: T2048216

2 comentários:

Ivoninha disse...

Oi Daidy! Obrigada por ter postado o texto do Wilson... Grande abraço. Ivone

Ivoninha disse...

Oi Daidy! Obrigada por ter postado o texto do Wilson... Grande abraço. Ivone

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Quem sou eu

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São Carlos, São Paulo, Brazil
Daidy Peterlevitz é aposentada, com qualificação para lecionar desde a pré-escola ao Colegial (Matemática e Física).Tem trabalhos publicados na Antologia “A Pena e a Lua”, da APEBS - Associação dos poetas e escritores da Baixada Santista.É autora dos livros As Duas Faces da Mesma Moeda e Quatro Bruxas no Elevador, lançado na Bienal do Livro, em S.Paulo. É autora do projeto DEMBLI, que facilita a circulação de livros, em escolas sem bibliotecárias. Trabalha em seu projeto no qual afirma que o bebê pode e deve aprender a ler. Também fez parte do antigo "SEROP" que funcionava no G.E Oswaldo Cruz, em São Paulo, sob a direção do sr.Jocelyn Pontes Gestal. Era orientadora de Ciências. O grupo, estudava a filosofia e a pedagogia de mestres, preparava apostilas, ia à inúmeras escolas, em S.Paulo e arredores, levando orientação diretamente aos professores ou,se distante como Sta. Izabel, aos diretores, que as passavam aos professores. Atualmente, escreve para seis jornais e, a todos agradece pelo espaço cedido.

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