25 de setembro de 2009

O amor é senhor de si

Wilson Correia*

O amor é um acontecimento. Chamo de acontecimento àquela ocorrência verificada quando você não está nem aí. É meio parecido com o nascer e o morrer, com a seguinte diferença: quando o amor acontece, é você mesmo que se conduziu até o lugar imaterial onde ele o espreitou, armou a cilada e fê-lo enlaçado quenem aquele peixe que engoliu o anzol até às vísceras.Não há coisa mais inútil nesse mundo do que planejar amar alguém, traçar o perfil, registrar as qualidades sem as quais não se amará. Se amor fosse objeto de planejamentos, ninguém entre nós viveria a se queixar da ausência do ser amado. Nesse assunto, parece que a não causa, o inesperado e o fortuito ordenam com cristalina primazia. Dê uma olhada nos relatos sobre como as pessoas conhecem aqueles que amam e verá que, bem na hora h, o plano dele estava guardadinho na gaveta.Atributos, qualidades, defeitos, características e estilos parecem não possuir o condão de ditarem quem deve amar quem. A verdade é que a sutileza do encontro, detonadora de um encanto que não se sabe nomear, essa é a grande deusa do amor. Enganam-se, porém, os que pensam que essa sutileza é inodora, insossa e incolor: ela é capaz de virar vidas do avesso, transmutar o mundo, unir pessoas cuja única garantia é a de estarem lado a lado, e nada mais. Quer milagre maior?Por isso mesmo o amor não é negócio, mesmo que negue o ócio. Não se casa porque se quer emprego ou o acesso a bens materiais, sociais e culturais. É de dar pena ver gente querendo o amor feito um contrato como o que comerciantes firmam entre si. O amor é das raras coisas que não se deixam comprar, vender ou emprestar. Ou acontece ou não existirá. Vá atrás do meio-termo e dará com a cara na parede.Ainda que o amor seja acontecimento, destino é o que ele não pode ser. Aí o intrigante paradoxo: o amor acontece, mas permanece escravo da liberdade. Basta a deusa liberdade pedir que ele feneça e todo amor estará em pó. Ele é regido pela lei do sim e do não. O desencontro dessas palavrinhas faz o amor recolher-se em sua sensata insignificância. Então, se a galinha ou a cafajeste não foi suficientemente ajuizada para se enlevar no amor que se fez, melhor é acionar a campaínha do não e deixar essa pessoa à mercê de outro acontecimento que venha a fazê-la digna do amar.Estar fora dos domínios desse amor não é um crime, não é nenhum pecado e, definitivamente, nem chega a engordar. É que o acontecimento aqui referido, sutil e espontâneo, requer a naturalidade de se estar aberto a que o acontecimento aconteça. E nem sempre estamos nessa onda de deixar o acontecimento acontecer. Nosso ciclo de vida está em outra sintonia, coisa que o amor não violenta, nem estiola. A paciência conosco mesmos nesses interstícios é de fundamental importância para que nossos rios se tornem limpos e possam cevar peixes fisgáveis. Forçar a barra é outra estratégia fadada ao fracasso nesse assunto de amor, de amar e se deixar amar.Por tudo isso, o amor não é algo que se peça, que se exija. Amor é algo que se reconhece: sim, aconteceu! E como o amor é um ser deveras caprichoso, melhor é seguir-lhe a melodia, e dançar conforme ele rotaciona a canção da vida e do existir. Tudo o mais não passa de ilusão, quimera, vã fantasia, louca imaginação. Pobre de quem pensa que pode controlar o amor.
O amor é senhor de si.

*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.
Wilson Correia
Publicado no Recanto das Letras em 24/09/2009Código do texto: T1828410

Um comentário:

Ivoninha disse...

Oi Daidy: Neste texto o Wilson explana com rara percuciência o amor! Ele alude ao amor inefável, forte, avassalador, posto que é verdadeiro! Não erigiu meros encontros casuais nesta sábia definição... Realmente o amor é algo soberano, que por mais que queiramos negá-lo, ele nos remete sempre a um estado de flagrância1 Se acaso não pudermos manifestá-lo, nos calamos e sublimamos nossa dor, pois vivemos em uma sociedade civilizada onde existem regras e códigos a serem cumpridos!Mas, mesmo assim continuamos a amar,ainda que haja somente um encontro anímico! Bjs, Ivone

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São Carlos, São Paulo, Brazil
Daidy Peterlevitz é aposentada, com qualificação para lecionar desde a pré-escola ao Colegial (Matemática e Física).Tem trabalhos publicados na Antologia “A Pena e a Lua”, da APEBS - Associação dos poetas e escritores da Baixada Santista.É autora dos livros As Duas Faces da Mesma Moeda e Quatro Bruxas no Elevador, lançado na Bienal do Livro, em S.Paulo. É autora do projeto DEMBLI, que facilita a circulação de livros, em escolas sem bibliotecárias. Trabalha em seu projeto no qual afirma que o bebê pode e deve aprender a ler. Também fez parte do antigo "SEROP" que funcionava no G.E Oswaldo Cruz, em São Paulo, sob a direção do sr.Jocelyn Pontes Gestal. Era orientadora de Ciências. O grupo, estudava a filosofia e a pedagogia de mestres, preparava apostilas, ia à inúmeras escolas, em S.Paulo e arredores, levando orientação diretamente aos professores ou,se distante como Sta. Izabel, aos diretores, que as passavam aos professores. Atualmente, escreve para seis jornais e, a todos agradece pelo espaço cedido.

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