25 de agosto de 2009

RECORDAR É VIVER

Eu sou de um tempo distante, o chamado tempo do onça, tempo em que qualquer esquina era uma geringonça.
Sou do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça, do tempo em que, aos domingos, a gente ia à missa.
Trago lembranças bacanas das Casas Pernambucanas, das farras, no bonde aberto, dos chapéus da Casa Alberto, tempo em que adultério era crime e o Flamengo ainda tinha time.
Sou do tempo do buscapé, do rojão e do xarope São João, do tempo em que menino só gostava de menina.
Sou do tempo em que futebol era pra macho, tempo em que ninguém sossegava o facho nos bailes de formatura, dos playboys botando banca, tempo que o telefone era preto e a geladeira era branca.
Sou do tempo em que se confiava nas companhias aéreas, em que a penicilina curava as doenças venéreas.
Tempo do confete e serpentina nas festas de Carnaval do Sírio, do Monte Líbano, dos bailes do Municipal.
Sou do tempo do bicarbonato de sódio, do lançamento do Sonrisal.
Sou do tempo da Rádio Nacional, do lança perfume no Carnaval, do calouro na hora da peneira, tempo em que pó era apenas poeira.
Tempo do terno de risca de giz, da calça de boca apertada, da Lapa de Madame Satã , de poder ir torcer no Maracanã e lembrar da mãe do juiz.
Sou do tempo do "Doi Codi". E do comigo-ninguém-pode, da ditadura envergonhada.
Sou do tempo em que ficar era não ir, tempo de permitir passeios à beira-mar.
Sou do tempo da brilhantina, do laquê, da Glostora, do Gumex.
O correio não tinha Sedex, o que vinha era telegrama trazendo uma má notícia.
Sou do tempo em que a polícia perseguia todo sambista que tivesse alguma fama.
Tempo em que mulher é que usava brinco, e que as portas não tinham trinco.
Tempo em que se dizia demorou só pra quemchegasse atrasado
As calças não perdiam o vinco, picada era só na bunda, e só se aquela febre profunda não tivesse melhorado.
No meu tempo coca era refrigerante e todo homem elegante abria a porta do carro.
Sou do tempo do tergal, do banlon, do terilene, da Emilinha e da Marlene no sucesso musical
Sou do tempo do mocinho e do vilão com cara de mau, do reclame de fortificante do óleo de fígado de bacalhau.
Sou do tempo da cocoroca, do tempo da Copa Roca, que muita gente não viu.
Aceitava-se qualquer cigarro sem medo de ser um novo fato.
Só preço podia ser barato; bicho era só o animal e cara, o rosto do pobre mortal.
Sou do tempo do coreto, da banda, do velho cigarro Yolanda vendido na venda da esquina.
Sou do tempo da estricnina, veneno tão poderoso, sou do tempo do leite de magnésia, do sagu, do fubá Mimoso e do fosfato que curava a amnésia.
Do progresso tão abrupto que todo mundo assistiu; porém, político corrupto, o rato que sai da toca...
Ora! Esse sempre existiu!
Sou do tempo em que Benjor se chamava Jorge Bem, a carne do bife era acém, rabo de cachorro era bofe.
No meu tempo não havia estrogonofe, sou do tempo do tostão e também do vintém, da zona com seus bordéis, programas de dez mil réis.
Sou do tempo da Cibalena e do Veramon. Só não vi a revista Fon-fon, assisti filmes do Rin-tin-tin. Sou do tempo da confeitaria Manon, da magia, do pó de pirlimpimpim.
Colecionei estampas Eucalol, acompanhei o lançamento da Avon, tomei o fortificante Calcigenol.
Sou do tempo da PRK 30, do rádio tipo capelinha, dos contos da Carochinha,
Do tempo do remédio anunciado: Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado.
Mas, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado.
Sou do tempo da Cafiaspirinda compressa de antiflugestina, do Biotônico Fontoura e do bálsamo benguê.
Fui leitor do almanaque Tico-Tico, do tempo em que trabalhador ficava rico.
Sou do tempo do óleo de linhaça, andei no Maria Fumaça.
Li muito a revista Cruzeiro, escrevi com caneta- tinteiro, separei o joio do trigo, vi muito vigarista na cadeia.
Sou do tempo da Casa Cavè, do taco com cera Parquetina, dos discursos do Presidente GV.
Só não fui garçom da Santa-Ceia...também não sou assim tão antigo.
Tempo de se curtir a vida sem medo de bala perdida.
Tempo de respeito pelos pais.
Enfim, sou de um tempo que não volta mais.
(*) Carlos Alberto L. Andrade, jornalista, advogado, historiador,
psicografando um amigo daquele tempo, em Quatis (RJ).

2 comentários:

Agnaldo Vergara disse...

Vou discordar, eu nasci uma semana antes do homem chegar na Lua, e parafraseando o Chico Anísio: a geladeira era à querosene mas eu era elétrico. Não sinto falta nenhuma da televisão preto e branco, da vitrola 78 rotações, do telefone analógico, do computador da Prológica que funcionava com o DOS, enfim, meu avô andava de maria fumaça, meu pai de trem elétrico, mas eu quero mesmo é trem bala e de última geração!

Daidy Peterlevitz disse...

Eu também querido, caro mio,quero Agnaldo, é viver é no futuro!
Escuita, eu também quero andar no trem bala,de última geraçaõ!!
Você...me ajudaria a segurar...minha bengala?
Mille bacci, Daidy.

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Quem sou eu

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São Carlos, São Paulo, Brazil
Daidy Peterlevitz é aposentada, com qualificação para lecionar desde a pré-escola ao Colegial (Matemática e Física).Tem trabalhos publicados na Antologia “A Pena e a Lua”, da APEBS - Associação dos poetas e escritores da Baixada Santista.É autora dos livros As Duas Faces da Mesma Moeda e Quatro Bruxas no Elevador, lançado na Bienal do Livro, em S.Paulo. É autora do projeto DEMBLI, que facilita a circulação de livros, em escolas sem bibliotecárias. Trabalha em seu projeto no qual afirma que o bebê pode e deve aprender a ler. Também fez parte do antigo "SEROP" que funcionava no G.E Oswaldo Cruz, em São Paulo, sob a direção do sr.Jocelyn Pontes Gestal. Era orientadora de Ciências. O grupo, estudava a filosofia e a pedagogia de mestres, preparava apostilas, ia à inúmeras escolas, em S.Paulo e arredores, levando orientação diretamente aos professores ou,se distante como Sta. Izabel, aos diretores, que as passavam aos professores. Atualmente, escreve para seis jornais e, a todos agradece pelo espaço cedido.

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